quarta-feira, 25 de março de 2009



A VIDA COMO ELA É

As decisões de gabinete tomadas no âmbito do Poder Público, sob o frescor do ar condicionado, carecem do calor da vida nas ruas – da vida como ela é.


Dona Izabel da Costa, 62 anos, na manhã do dia 13 de junho teve suas mercadorias apreendidas - 10 chocolates sulflair, 24 "choquitos" e alguns pacotes de alho.
Bem antes disto, o Sr. Benedito Miranda, 58 anos, teve sua barraca e seus bens apreendidos numa ação da Prefeitura para "limpar" a área de acesso ao terminal. Seu irmão, Paulo Miranda, vendia sonhos. Foi humilhado e teve sua mercadoria apreendida.
Dona Madalena Miranda vendia cintos e carteiras. Teve sua banca, os cintos e as carteiras apreendidas.
Foram, todos eles, por um ato do Poder Público, alijados de seu ganha-pão, sem que se lhes fosse oferecida outra alternativa.
Sem emprego, Dona Madalena amarga a dura realidade de fazer frente às necessidades básicas de sua família.
Pior sorte (?) teve o Sr. Benedito. Sem mais poder vender suas mercadorias e obter seus parcos rendimentos, endividou-se. Preocupado com o "nome sujo", não dormia de preocupação. No último dia 17, o Sr. Benedito faleceu vítima de infarto do miocárdio.
Paulo Miranda vendia “sonhos”. Tinha, certamente, seus sonhos. Seus “sonhos” foram apreendidos e seus sonhos abortados pela truculenta fiscalização. Hoje, encontra-se internado em um hospital psiquiátrico na cidade de Piedade. Sem sonhos.
Essas pessoas, com certeza, se encantam com a beleza dos canteiros centrais das avenidas de nossa cidade, com sua grama esmeralda e suas flores... porém, precisam comer, dar de comer aos filhos, para sobreviver e até para manter seus sonhos.
Gabriel Bitencourt
(Escrito pelos idos de 1997, sobre fatos reais)

3 comentários:

Adriana sanches disse...
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Anônimo disse...

Oh Gabriel,

creio haver um certo exagero poético de sua parte ao dizer que o Sr. Benedito vendia "sonhos".
Como se sabe, os alimentos vendidos por ambulantes, são de origem duvidosa no que toca à higiene e aos ingredientes. Fonte de doenças, esse tipo de ambulante precisa ser retirado das ruas. A população não tem conhecimento disso e creio ser um desserviço para com a comunidade romantizar uma coisa dessas. Creio que o correto é defender a ação do poder público para fiscaliza-los duramente em prol da saúde pública e oferecer alternativas para a sobrevivência digna dessas pessoas.
Mas "sonhos" ele não vendia não. Vendia riscos bem prosaicos de diarréias, parasitoses e outros pesadelos.
Atenciosamente,

Devanir

Gabriel Bitencourt disse...

Oi Devanir!
Obrigado por sua manifestação!
O tal “sonho” estava no meio de chocolates, carteiras e tantas outras coisas. O que se discute no texto é a truculência e na atitude desumana do governo.
Claro, bem sei que o comércio de produtos alimentícios sem a adequada e higiênica manipulação traz perigos à saúde pública. Essa não era a questão central.
Você deve ter percebido que, no texto, falo em truculência de fiscais e a falta de alternativas – “sem que se lhes fosse oferecida outra alternativa”, diz o texto. Esse é o cerne da questão.
Já vi, em outras cidades, com um perfil de governo mais humano, a retirada de ambulantes da zona central. Deram-lhes, entretanto, tratamento de pessoas, de cidadãos, de seres humanos que não encontraram outra opção para buscar o seu sustento e o de sua família. Vendedores de produtos alimentícios passaram por treinamento com a vigilância sanitária e outros por cursos de empreendedorismo e foram trabalhar em “camelódromos”.
Veja a diferença.
Os governos autoritários vêem essas pessoas como sujeira a emporcalhar a paisagem urbana, da qual poucos devem desfrutar.
Mas não sujeira. São seres humanos. São o lado mais fraco da corda. Exatamente aqueles a quem o governo deve olhar com mais atenção.